Miguel Torga
sábado, 30 de junho de 2007
Cavaleiro Andante
que mora no teu livro de aventuras
Podes vir chorar no meu peito,
as mágoas e as desventuras
Sempre que o vento te ralhe,
e a chuva de Maio te molhe
Sempre que o teu barco encalhe,
e a vida passe e não te olhe.
Porque sou cavaleiro andante,
que o teu velho medo inventou
Podes vir chorar no meu peito,
pois sabes sempre onde estou
E sempre que a rádio diga,
que a América roubou a lua
Ou que o louco te persiga,
e te chame nomes na rua
Porque sou o que chega e conta,
mentiras que te fazem feliz
E tu vibras com histórias,
de viagens que eu nunca fiz
Podes vir chorar no meu peito,
longe de tudo o que é mau
Que eu vou estar sempre ao teu lado,
no meu cavalo de pau
ouvir música
Rui Veloso
sexta-feira, 29 de junho de 2007
A Terra
Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.
Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.
Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!
Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.
Terra, minha aliada
Na criação!
Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!
E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois...
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.
Terra, minha mulher!
Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!
A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...
Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.
Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!
In Miguel Torga
quinta-feira, 28 de junho de 2007
sábado, 23 de junho de 2007
Por que os outros...
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner.
domingo, 17 de junho de 2007
Faz-me o favor...
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.
É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és nao vem à flor
Das caras e dos dias.
Tu és melhor -- muito melhor!
Do que tu.
Não digas nada.
Sê Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.
Mário Cesariny